Em Canudos, arraial do interior da Bahia, ainda sob
o comando do messiânico Antônio Conselheiro, o escritor Euclides da Cunha, após
breve análise do lugar, qualificou o sertanejo de ‘forte’, dada as péssimas
condições a que estavam submetidos o povo do lugarejo. Na maior planície alagada do mundo,
diria que o pantaneiro também é um forte. Largados à própria sorte, as
comunidades ribeirinhas e de vilarejos do Pantanal ainda estão ao largo das
conquistas que desfrutamos nas cidades.
Quando estive em uma parte do Pantanal de Mato
Grosso, na companhia de uma comitiva da Defensoria Pública do estado, o que vi
foram homens e mulheres de uma força fora do comum. Um povo de sorriso largo,
que convive com as dificuldades dando graças a Deus.
Na cheia, quando a água toma conta de tudo, as
estradas somem do mapa e o único meio de transporte é o barco, a força do
pantaneiro é vista na sua maior grandeza. Quando alguém da família adoece, por
exemplo, existem duas saídas: tratamento à base de plantas na região ou atendimento médico em Cuiabá.
No período chuvoso, nem o barco dá conta. O único meio de transporte possível e mais seguro para levar o doente até a capital é o avião. Conversei
com várias mães que perderam seus filhos porque não tinham o dinheiro
suficiente para fretar um voo. As famílias pantaneiras confrontam os
padrões do filho único impostos pelo mundo desenvolvido. Por lá, oito, nove, dez
filhos enchem uma casa com a mais absurda facilidade.
A maior contradição está na alimentação. As terras
pantaneiras são férteis, graças à concentração de nutrientes trazida pelas
cheias dos rios. Tudo que se planta dá. Mas nem por isso a alimentação do
pantaneiro é a mais saudável. O povo de lá se alimenta do básico, do que
planta. Para se alimentar melhor, é preciso se deslocar até Cuiabá para
garantir o que eles chamam da ‘compra do mês’, conseguida a duras penas. Nas
mercearias da região os preços são astronômicos. Um litro de óleo passa dos R$
7,00. Tudo é muito caro.
Falta assistência médica, odontológica e
judiciária. Os jovens não têm o que fazer. Os meninos ainda descarregam a
desesperança em campinhos de futebol surrados e concorridos por galinhas e
porcos. Já as meninas, quando beiram os 18, 19 anos, o destino certo é o altar.
Quando passam dos 22, 23 anos, já são consideradas ‘velhas’ para o casório.
Relatos do uso de droga na região já são comuns. Mas muitos pais rompem as
dificuldades e encaminham seus filhos para a capital. Não querem que a futura
geração conviva com as mesmas dificuldades.
Em São Pedro de Joselândia, um dos distritos do
Pantanal, conheci dona Fátima. Ela vive sozinha no prédio do antigo posto de
saúde da localidade. Diagnosticada com problemas mentais, a família dela
preferiu deixá-la por lá. Fátima usa uma maca como guarda-roupas. No quarto, a
fé é estampada com um pequeno oratório cheio de imagens de santos. O pantaneiro
é um povo de muita fé.
Acreditando que um dia tudo possa mudar, Fátima segue
numa vida de miséria. No dia que a vi, a única coisa que tinha para comer
era arroz e feijão que estavam sendo preparados em um forno a lenha
improvisado. Além das condições precárias, a maior dor de Fátima era não poder
ver os filhos crescerem. Ela é mãe de dois meninos.
O lixo é outro problema. Não há coleta, tampouco
reciclagem dos resíduos. Quando não queimam, os moradores vão depositando o
lixo no fundo das casas. A chuva vem e carrega tudo para rios e lagos.
Ao final da minha jornada pela região uma pergunta
ficou sem resposta. Por que aquele povo ainda insiste em morar em condições tão
difíceis? Não sei. O amor, ou talvez, o sentimento de pertencimento possam dar pistas. Conhecer de perto o lugar me fez derrubar mitos. O melhor do Pantanal não é a paisagem exuberante. É o povo que dribla de sol a sol as dificuldades recorrentes do lugar com uma alegria que é de invejar. Uma lição!
Belo texto Dhiego. Além de tudo, o pantaneiro é um ser sustentável, pois sabe viver com uma integração harmoniosa com seu local.
ResponderExcluirabr
Júlio Resende
www.bolinhadegude.org