domingo, 24 de junho de 2012

O pantaneiro é um forte!





Em Canudos, arraial do interior da Bahia, ainda sob o comando do messiânico Antônio Conselheiro, o escritor Euclides da Cunha, após breve análise do lugar, qualificou o sertanejo de ‘forte’, dada as péssimas condições a que estavam submetidos o povo do lugarejo. Na maior planície alagada do mundo, diria que o pantaneiro também é um forte. Largados à própria sorte, as comunidades ribeirinhas e de vilarejos do Pantanal ainda estão ao largo das conquistas que desfrutamos nas cidades. 

Quando estive em uma parte do Pantanal de Mato Grosso, na companhia de uma comitiva da Defensoria Pública do estado, o que vi foram homens e mulheres de uma força fora do comum. Um povo de sorriso largo, que convive com as dificuldades dando graças a Deus.

Na cheia, quando a água toma conta de tudo, as estradas somem do mapa e o único meio de transporte é o barco, a força do pantaneiro é vista na sua maior grandeza. Quando alguém da família adoece, por exemplo, existem duas saídas: tratamento à base de plantas na região ou atendimento médico em Cuiabá. 

No período chuvoso, nem o barco dá conta. O único meio de transporte possível e mais seguro para levar o doente até a capital é o avião. Conversei com várias mães que perderam seus filhos porque não tinham o dinheiro suficiente para fretar um voo. As famílias pantaneiras confrontam os padrões do filho único impostos pelo mundo desenvolvido. Por lá, oito, nove, dez filhos enchem uma casa com a mais absurda facilidade.

A maior contradição está na alimentação. As terras pantaneiras são férteis, graças à concentração de nutrientes trazida pelas cheias dos rios. Tudo que se planta dá. Mas nem por isso a alimentação do pantaneiro é a mais saudável. O povo de lá se alimenta do básico, do que planta. Para se alimentar melhor, é preciso se deslocar até Cuiabá para garantir o que eles chamam da ‘compra do mês’, conseguida a duras penas. Nas mercearias da região os preços são astronômicos. Um litro de óleo passa dos R$ 7,00. Tudo é muito caro.

Falta assistência médica, odontológica e judiciária. Os jovens não têm o que fazer. Os meninos ainda descarregam a desesperança em campinhos de futebol surrados e concorridos por galinhas e porcos. Já as meninas, quando beiram os 18, 19 anos, o destino certo é o altar. Quando passam dos 22, 23 anos, já são consideradas ‘velhas’ para o casório. Relatos do uso de droga na região já são comuns. Mas muitos pais rompem as dificuldades e encaminham seus filhos para a capital. Não querem que a futura geração conviva com as mesmas dificuldades.




Em São Pedro de Joselândia, um dos distritos do Pantanal, conheci dona Fátima. Ela vive sozinha no prédio do antigo posto de saúde da localidade. Diagnosticada com problemas mentais, a família dela preferiu deixá-la por lá. Fátima usa uma maca como guarda-roupas. No quarto, a fé é estampada com um pequeno oratório cheio de imagens de santos. O pantaneiro é um povo de muita fé. 

Acreditando que um dia tudo possa mudar, Fátima segue numa vida de miséria. No dia que a vi, a única coisa que tinha para comer era arroz e feijão que estavam sendo preparados em um forno a lenha improvisado. Além das condições precárias, a maior dor de Fátima era não poder ver os filhos crescerem. Ela é mãe de dois meninos.

O lixo é outro problema. Não há coleta, tampouco reciclagem dos resíduos. Quando não queimam, os moradores vão depositando o lixo no fundo das casas. A chuva vem e carrega tudo para rios e lagos.

Ao final da minha jornada pela região uma pergunta ficou sem resposta. Por que aquele povo ainda insiste em morar em condições tão difíceis? Não sei. O amor, ou talvez, o sentimento de pertencimento possam dar pistas. Conhecer de perto o lugar me fez derrubar mitos. O melhor do Pantanal não é a paisagem exuberante. É o povo que dribla de sol a sol as dificuldades recorrentes do lugar com uma alegria que é de invejar. Uma lição!

sábado, 23 de junho de 2012

A menina com prótese que queria subir em árvores


Todo jornalista corre atrás de boas histórias. É o que nos move. Pois bem. Tenho uma linda história para contar. Num belo dia, durante a checagem dos meus e-mails recebi um release que numa primeira leitura não saía do óbvio. Um balanço de atendimentos a pessoas com deficiência física no estado. Legal! O balanço por si só não valeria uma reportagem. O release já tinha feito isso.

Decidi procurar histórias. No processo de apuração, fui conhecer o Centro de Reabilitação Dom Aquino Correa, de Cuiabá, que atende muita gente com deficiência, não apenas de Mato Grosso, mas de outros estados vizinhos. Entre tantas histórias, rostos e dramas, uma menina de um sorriso vibrante e de agilidade incrível me chamou a atenção. Dentro de mim veio a confirmação. Tenho a minha história!

Estava com sorte. Entrevistar criança não é tarefa fácil. No começo, de mil perguntas, a pequena respondeu duas, três coisas. Mas continuei insistindo. Até que a vergonha e o medo foram embora e ela se apresentou. Meu nome é Fátima e tenho um sonho. Eu perguntei: Qual é seu sonho? Ela disparou: “Quero subir em árvores”. Nesse momento, perdi as palavras e o rumo da entrevista.

Para crianças comuns, subir em árvores beira a rotina. Para Fátima não. Sem as duas pernas, a pequena, na ocasião da primeira entrevista, usava próteses inteiriças e pesadas. Era difícil acreditar que ela se equilibrava com tanta desenvoltura. A pequena conseguia até correr. A levei para um parquinho. Ela tirou de letra!

Meses se passaram e Fátima trocou as velhas próteses. Ganhou mais 10 cm de altura e flexibilidade. No segundo encontro com a pequena, conheci a casa dela. Um lar aconchegante e de muito amor. Fátima foi criada sem tabus. Sabe que tem limitações, mas que podem ser superadas. Mais solta na segunda entrevista ela me contou um segredo. “Você sabia que eu subi numa árvore? Eu estarrecido, não acreditei e perguntei: Como assim? 

Ela pegou no meu braço e me levou para o quintal da casa. Lá estavam caídos dois mamoeiros. Ela empilhou tijolos e subiu nas duas árvores. Com o peso do corpo dela, as duas árvores caíram no chão. Fátima realizou um sonho. Custei a imaginar a cena. Terminei a entrevista mexido, mas firme.

Em histórias como essa o envolvimento além do necessário é um risco. Fiquei feliz em conhecer esse grande ser chamado Fátima. Tenho, inclusive, uma carta escrita por ela. Conhecê-la fez repensar a minha própria vida. Nada é por acaso. Até a próxima, Fátima!

 Obs: Jornalismo se faz na curiosidade. Depois de conhecer a história da Fátima passei a ter um outro olhar em releases, comunicados e afins. Mesmo diante de assuntos chatos e sem nexo, com esforço, dá para produzir notícias e boas histórias. É preciso disposição e faro jornalístico.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

O dia em que encontrei Deus em um show


Sexta-feira, 22h. Depois de uma carga de trabalho acumulada da semana, resolvi quebrar a rotina por mim mesmo. Fui a um show disposto a encontrar Deus. A expectativa era difícil de ser atingível porque já fui a tantos outros e, o que vi, foram belas vozes, espetáculos de luz, som, mas Deus? Estava longe. Por dentro eu sabia que iria vivenciar uma sensação como nunca antes. E foi essa certeza que renovou minhas forças para que eu pudesse dar de cara com o todo poderoso.

Na chegada ao espetáculo, uma multidão. Caravanas e uma fila sem fim de carros deram a certeza de que muitos também estavam ali por algo. Quando meus olhos puderam ver o cenário, o circo armado, já senti de cara que a noite seria inesquecível e foi. Fui assistir ao show do cantor Thalles.  

Negro, cabelo estiloso e de uma voz inigualável, pude ali, no meio de muitos outros, embalado pela trilha sonora de Thalles, encontrar quem realmente queria. Foi mágico. Em vários momentos alternados a pulos e gritos de êxtase, me veio o silêncio, a necessidade de encontrar dentro de mim a conexão que sempre tive com Deus. Em outros instantes, a sensação que tive é que estava em outro lugar muito distante, onde nunca pisei os pés, para naquele silêncio experimentar um pouco do encontro que ele tinha reservado só para mim.

O silêncio persiste. Um reflexo das verdades entoadas nas canções de Thalles. O show é um enredo da própria vida do cantor. Cada música foi escrita em um momento específico. Juntas, formam um desfile do que Deus é capaz de fazer na vida de alguém. O palco, para Thalles, é a sua casa. Irreverente, despojado e nada careta, o cantor consegue fazer em duas horas de espetáculo um concerto que naturalmente impregna na gente.

Nunca vou me esquecer dos gritos afinados, que, inexplicavelmente, me fizeram associar aos mesmos gritos eternizados por Janis Joplin. Não sei. O que percebi é que até os gritos tinham um propósito bem encaixado no show que seguiu o seu curso natural. Thalles bebe na Black Music, no Hip Hop e no soul do estilo de se vestir à música que canta. O cantor cumpre o seu papel ao subverter valores, quebrar tabus e levar a palavra de Deus a seu modo. Esqueçam o crente com a bíblia debaixo do braço. A nova geração de adoradores quer viver Cristo, não apenas em palavras, mas, fundamentalmente, nas atitudes.

Saí do espetáculo renovado. Não houve tumulto, briga, xingamentos e nem assaltos. Segui meu rumo. E ainda dentro de mim pulsa o desejo e a vontade de viver tudo aquilo diariamente.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Eu e Você

Eu mal cabia em mim quando lhe vi pela primeira vez

Nem meu coração que de tanto afeto se desfacelou

Você criou em mim um mundo paralelo

Que insisto em não querer deixar

Um segundo é um absurdo sem ti

No mundo que você desenhou para mim

Assisto a cada hora do dia um sol se pôr

E uma lua a nascer

O calor do seu rosto aquece e me livra do caos

O silêncio ao teu lado é uma sinfonia

Você me faz ver o lado bom de viver

De lutar, de querer ser a sua metade

O seu esconderijo

A sua razão

Sem você,

Sou a cópia mais vã de mim mesmo.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Um ano de muito esporte!

O relógio da vida voa. Neste dia 13 de junho completo 1 ano à frente do GLOBOESPORTE.COM de Mato Grosso. Cobrir as quatro linhas nos campos, nas quadras ou onde quer que seja não é tarefa nada fácil.

Diferente de outras editorias, no esporte, é preciso entrega e imersão total, porque senão, a cobertura se torna frágil, ineficiente e sem credibilidade. Também é preciso se especializar. Faltam jornalistas especializados em esporte no Brasil. Por isso, os poucos que existem se destacam rápido na carreira. Com o advento da Copa é fácil notar que já pulula uma infinidade de cursos de pós-graduação tematizando o esporte. É necessário!

Para o jornalista que cobre esportes, o final de semana é o período mais farto de notícias. Rodadas inteiras de futebol, vôlei, natação e etc. Opções não faltam. O desavisado que está começando ou sonha em cobrir esportes já tem que ter em mente que os finais de semana serão solapados pelo trabalho, mas muito mesmo. Esqueçam as folgas!

Mas o melhor de fazer esporte é se envolver em histórias de superação. Neste um ano de cobertura tive o privilégio de contar a história da Cinderela Descalça, Jorilda Sabino, que foi resgatada da pobreza pelo atletismo. A ex-atleta viajou o mundo, subiu duas vezes no pódio da São Silvestre e foi tetra-campeã da Corrida de Reis.

Um grupo que sempre me comove é o da ginástica artística. Sem estrutura, os pequenos e pequenas ginastas se equilibram em meio à falta de equipamentos para os treinos em um galpão da UFMT. Neste ano, os professores do projeto resolveram tirar do próprio bolso o dinheiro para comprar equipamentos de ‘segunda mão’. Os pequenos não correm mais risco de sofrerem cortes em equipamentos destroçados que remontam à década de 1980.

A superação das equipes de futebol dentro de campo, os bastidores, o envolvimento da torcida. O esporte faz parte da vida cotidiana e é, em muitos casos, uma válvula de escape para muitos. É bom fazer parte disso!

Aprendi que quem escreve esporte cobre política, polícia, cidades, economia, meio ambiente e tecnologia. Tenho dúvidas se o contrário acontece.

Só tenho a agradecer este um ano de trabalho porque em todos os projetos que tive a oportunidade de me envolver não fiz nada sozinho. O sucesso foi compartilhado e que assim seja em todo o resto da minha vida.

domingo, 10 de junho de 2012

Balzac: contemporâneo ao extremo




Balzac não ficou apenas preso em sua época, quando desvendou com inteligência as artimanhas de uma imprensa que poderia lançar flechas por todos os lados. Na contemporaneidade, a impressão que fica é de que o escritor de "Ilusões Perdidas" ainda vive nas atitudes daqueles que praticam o ofício de reportar a realidade.

Na faculdade fui instigado por força de uma avaliação a ler ‘Ilusões Perdidas’ para, em seguida, transformar 365 páginas em um sucinto artigo. Não consegui. Li o livro de Balzac tempos depois, sem pretensão e por vontade própria para entender o porquê de tanta devoção ao romancista.

Em ‘Ilusões Perdidas’, os fatos são narrados de uma forma densa e rica em detalhes que chegam a cansar qualquer leitor que se preze. Mas vale a pena persistir página a página. Tantos detalhes, marcas e situações vão surgindo ao longo do livro e são, de fato, os primeiros passos para a elucidação do clímax.

Pois bem! Vamos dissecar 'Ilusões Perdidas'. Em toda a primeira parte, batizada de "Dois poetas", Balzac descreve a vida na pacata cidade francesa Angoulême, colocando suas impressões na vida de um sonhador chamado Luciano que almeja fazer sucesso em Paris como poeta; de seu melhor amigo, David Séchard, que passa a comandar a ultrapassada tipografia de seu pai, de Ève, irmã de Luciano, por quem David se apaixona; e o núcleo aristocrático comandado pela senhora de Bargeton, que será amante de Luciano e, como ele, sonha com os esplendores da capital.

Luciano não consegue se dar bem na poesia e acaba no jornalismo. Nessa transição que Balzac destila suas maiores críticas: a de que os jornalistas são vendedores de opinião, e avessos da ética. Dessa constatação, o escritor expõe a inferioridade do jornalismo em relação à literatura quando defende que para se fazer um livro é necessário colocar a alma nas palavras, mas, para escrever um artigo só basta uma boa quantia em dinheiro, uma vez que o destino de um artigo jornalístico é, segundo Balzac, o mar do esquecimento.

Esta visão fica clara nas atitudes de Vernou, um dos personagens que dão voz aos jornalistas na obra. Como nessa passagem: “O senhor então assume tudo o que escreve? – disse-lhe Vernou, brincalhão. Acontece que somos negociantes de frases, vivemos de nosso comércio. Quando quiser fazer uma grande bela obra, um livro, enfim, poderá nele lançar os seus pensamentos, sua alma, entregar-se a ele; mas artigos lidos hoje, esquecidos amanhã, a meus olhos, só valem o que se paga por eles”.

Mas a visão de Balzac a respeito dos jornalistas é um tanto ácida, generalista e preconceituosa. Isso porque o escritor coloca todos os profissionais em um mesmo bojo. Para o escritor, aqueles que adentram na lida diária do jornalismo encontram lugar fácil para se corromper ou ainda, todo profissional da área já não utiliza da ética nas práticas sociais quando lida com o jornalismo. Que bom que as exceções existem!

Mas o que torna a leitura de Balzac contemporânea é a espontaneidade com que o escritor trata a temática da ética no jornalismo, fundamental para a profissão que se propõe a instigar a sociedade em prol de mudanças. Muito diferente da poesia, que se nutre de uma realidade ficcional, o jornalismo se pauta no real, nos acontecimentos do dia. Nada melhor do que a ética para nortear qualquer trabalho jornalístico.

Balzac inova e sobressai ao enfocar esta temática. O livro é fundamental para estudantes e profissionais da área. Nunca é demais martelar quem sem ética, jornalismo, de verdade, passa longe.

Boa leitura!